Afinal, é DEcolonial ou DEScolonial?

Lindomar da Silva Araujo[1]

        Nos estudos sobre a colonialidade do poder, que têm grande parte dos seus referenciais teóricos ancorados nas ideias do Grupo Modernidade/Colonialidade/Decolonialidade, representado por autores como Walter Mignolo (2017), Anibal Quijano (2005) e Henrique Dussel (2005), dentre outros, encontramos constantemente uma alternância na grafia do termo “descolonial/decolonial”. Tal variação causa estranhamento, por aparecer de forma constante, levando o leitor a realizar interrupções reflexivas no curso da leitura, para analisar a partícula “de/des” no contexto. Essa dúvida semântica também mobiliza reflexões e diálogos sobre as implicações provocadas pela matriz colonial do poder, que não cessa suas investidas avassaladoras, para dominar, explorar e gerar conflitos, num processo articulado de constante avanço pelo mercado capitalista.

        Segundo Catherine Walsh (2013), as reflexões acerca dessa grafia e todo o significado que ela carrega, iniciou-se em 2004, quando a própria pesquisadora argumentou sobre a necessidade de subtrair o “S” do prefixo “des”, passando o termo descolonial à decolonial. Sua intenção era, e ainda é, fazer entender que a supressão do “des” pode indicar um desprendimento ou deslocamento definitivo do projeto moderno/colonial. Ou seja, ao retirar o "S" partícula “des”, ela tende passar a ideia de que é possível desfazer ou desconstruir algo; nesse caso, como se tomasse o colonial de assalto e o modificasse de imediato.

        O colonial nunca termina, pois apresenta-se como o monstro Hidra, de Lerna, segundo Walsh (2013), que ao ter a sua cabeça cortada, cresce-lhe imediatamente uma outra. Dessa forma, a matriz colonial/moderna avança por diferentes frentes, controlando os sujeitos nos diversos espaços de convivência social e de experiências relacionadas ao trabalho, ao sexo, à subjetividade/intersubjetividade, à autoridade coletiva e à natureza.

         Logo, é inviável se pensar a colonialidade/modernidade simplesmente numa perspectiva linear, ocidental. Como argumentou Walsh (CANDAU, 2018): “[...] não é possível, num momento estar colonizado e noutro descolonizado; o pensar descolonial é uma simplificação perigosíssima”. E, em outro momento, Walsh (2013), acrescenta que:

            [...] Suprimir o "s" é uma opção minha. Não é promover o anglicismo. Pelo contrário, pretende marcar uma distinção com o significado em castelhano do "des" e o que pode ser entendido como um simples desarmar, desfazer ou reverter do colonial. É dizer, passar de um momento colonial a um não colonial, como que fosse possível que seus padrões e traços deixassem de existir. Com este jogo linguístico, tento pôr em evidência que não existe um estado nulo da colonialidade, senão posturas, posicionamentos, horizontes e projetos de resistir, transgredir, intervir, in-surgir, criar e incidir. O decolonial denota, então, um caminho de luta contínuo no qual se pode identificar, visibilizar e alentar "lugares" de exterioridades e construções alter-(n)ativas. (WALSH, 2013, p. 24-25, tradução nossa).

        Em seminário na Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, Catherine Wash (CANDAU et al., 2018) declara que “não importa como escrevemos, mas como fazemos. É uma ação, é um verbo: decolonizar ou descolonizar”. A autora entende que o importante é como realizar o embate diante do poder colonial e lutar frente a colonialidade do poder, do saber e do ser.

 

REFERÊNCIAS

CANDAU, Vera et al. O que é a Pedagogia Decolonial? II Seminário de formação política do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas, Movimentos Sociais e Culturais. Rio de Janeiro: Canal: TV UERJ, 2018. Vídeo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=pw8MqYauzc0> Acesso em: 20 Mai. 2020.

DUSSEL, Enrique. Europa, modernidade e eurocentrismo. In: LANDER, Edgardo (org).  A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2005. p. 24-32. Disponível em: <http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/> Acesso em 20 Mai. 2020.

MIGNOLO, Walter. Colonialidade: O lado mais escuro da modernidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 32 n° 94 junho/2017. Disponível em < https://doi.org/10.17666/329402/2017> Acesso em: 16 Abr. 2019.

QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2005. Disponível em: <http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/clacso/sur-sur/20100624103322/12_Quijano.pdf> Acesso em: 20 Mai. 2020.

WALSH, Catherine. Pedagogías decoloniales: prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Tomo I. Quito_Ecuador: Ediciones Abya-Yala, 2013.


[1] Doutorando e Mestre em Artes Cênicas (UNIRIO). Professor de Artes Cênicas na Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e Diretor do Núcleo de Arte Avenida dos Desfiles (SMERJ).



¿Podemos pensar los no-europeos? Ética decolonial y geopolíticas del conocer

PODEMOS NÃO-EUROPEUS PENSAR?: ÉTICA DECOLONIAL E GEOPOLÍTICAS DO CONHECER: PREFÁCIO


Autor: Walter Mignolo

Tradução: Lindomar da S. Araujo



O “desprendimento” é o nome que reúne diversos ensaios guiados pela ideia do frequente abandono das formas de conhecer que nos sujeitam e modelam ativamente nossas subjetividades pelas fantasias e ficções modernas. O relato da modernidade com sua carga semântica e retórica de progresso impulsiona o consumo, se esforça para manter a ideia de que a história é única e desemboca na ontologia de que a ideia de modernidade é construir; desloca e complementa a felicidade cristã com a felicidade terrena de consumo. Por isso o propósito é a perpetuação de subjetividades modernas devotas do consumo, cuja única liberdade consiste em eleger obrigatoriamente aos governantes que seguiram sujeitados à ideia de que a economia é a ciência do existente, do que existe, e que o signo do cumprimento de uma vida moral e exitosa é a acumulação de riqueza, mercadorias e propriedades.

Para três quartos do mundo o mercado não é um lugar onde se “consome” o salário, mas sim um lugar de encontro, de sociabilidade, de intercâmbio, em comunidades onde se trabalha para viver e não se vive para trabalhar e consumir. A necessidade de nos “desprendermos” de tais ficções naturalizadas pela matriz colonial de poder é a teoria que o pensar descolonial converte em projeto e processo.

A modernidade produz feridas coloniais, patriarcais (normas e hierarquias que regulam o gênero e a sexualidade) e racistas (normas e hierarquias que regulam a etnicidade), promove o entretenimento banal e narcotiza o pensamento. Por isso, a tarefa do fazer, pensar e estar sendo descolonial é a cura da ferida e do vício da cruel compulsão de “querer ter”, nos desprendermos das normas e hierarquias modernas é o primeiro passo para nos refazermos. Aprender a desaprender para re-aprender de outra maneira, é o que nos ensinou a filosofia de Amawtay Wasi.

Os volumes que publicamos não são escritos “sobre o tema”, mas o que eles estão fazendo: fazem o que se tá pensando e não mais um estudo de algo. É uma maneira de estar sendo frente a compulsão de querer ser/ter. O pensar e fazer descolonial, base do desprendimento, não é tão pouco um pensamento para “aplicar” (subsidiário da distinção teoria e práxis), mas é o ato mesmo de pensarmos fazendo-nos, de modo diagonal e comunitário. Não é um método, mas uma via, um caminho para refazermos a busca de formas de viver e de (nos) governar en que não vivamos para trabalhar/produzir/consumir, mas que trabalhemos para con-viver. As dificuldades que os estados e as corporações põem em marcha desses projetos e processos não devem ser ignorados nem tão pouco nos rendermos diante deles.

A crise da modernidade está no que o ocidente (e.g., Estados Unidos e o coração da União Europeia) já não controla a matriz colonial de poder. Não obstante, a disputa pelo domínio da matriz (o acesso econômico e político da China e da Rússia, junto com os estados BRICS) reproduz a colonialidade ao mesmo tempo que disputa o seu controle. Entre os esforços por re-ocidentalizar o mundo, por um lado e a irrefreável desocidentalização na esfera dos estados e corporações, por outro lado, se estende a emergente força política, ética e epistêmica da sociedade política global com projetos à margem dos estados e corporações. À margem não quero dizer afora, mas nas bordas. Daí a necessidade urgente do desprendimento em suas múltiplas manifestações arraigadas em histórias locais e a inevitável urgência de habitar e pensar nas fronteiras.

Quando Hamid Dabashi publicou seu artigo em Al-Jazeera, intitulado “Podem pensar os não-europeus?”, se referia a atualidade da diferença colonial epistêmica e ontológica em que se sustenta a geopolítica e correspondente a ética moderno/colonial do saber. Este volume ecoa a validade atual da questão, traduzindo e trazendo textos chaves do debate iniciado por Hamid Dabashi em Al-Jazeera, em janeiro de 2013, mas também oferecendo-se como uma resposta necessariamente polifônica e inacabada, que esboça as orientações de uma ética decolonial.


BIBLIOGRAFIA

MIGNOLO, walter. ¿Podemos pensar los no-europeos?: ética decolonial y geopolíticas del conocer. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Del Signo, 2018. p. 07-09.



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